terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Corrida 1

     Chaves? Tenho.
     Mp3? Tenho.
     Relógio? Hoje não preciso.
    Desço as escadas, meto os phones na cabeça, escolho a musica a reproduzir e começo a correr. Mal começo percebo que se calhar vou correr menos que o normal, não estou com grande paciência, tive um dia demasiado mole, gastei muita energia mental nos dias anteriores, talvez cincos voltas ao percurso habitual cheguem por hoje.
     Olho para uma rua na qual nunca me meti e tenho o primeiro pensamento maluco da noite: acho que vou por ali. Vou correndo, coisas novas aparecem à minha frente, assim parece mais fácil, sempre a mesma paisagem cansa, algo de novo estimula. Vejo vários homens do lixo, outras pessoas a vasculhar o lixo, olham para mim com um ar surpreso, eu percebo o olhar, afinal sou um gajo de t-shirt e calções com uns phones gigantes na cabeça a correr à uma da manhã.
     Vejo uma rua íngreme e decido ir por ela, quando chego ao fim percebo onde estou. Parece que afinal não andei muito apesar de todos os zig-zags, estou na Avenida Almirante Reis, depois da Portugália. Acho que não chega, e tenho a segunda decisão louca da noite: vou até ao marques. Atravesso a estrada e começo a subir a rua directamente à minha frente, não sei para onde vai, nem nunca fui por ali, mas o meu sentido de orientação diz-me que o sentido é aquele.
     Vou virando em ruas que não conheço, vejo mais pessoas a olhar para mim, vejo uma pastelaria, uma sex-shop e um web café abertos. No web café uma família aponta para mim entusiasticamente. Passo por umas prostitutas que me dirigem um piropo meio rasca e não percebo porque o fazem, afinal estou a correr, acho que dá para perceber que o meu interesse nelas é nulo. Penso que me estou a perder, mas sei para onde estou a ir, sigo-me pelos prédios mais altos que reconheço, como o Sheraton ou o edifício da PT, com o seu cubo gigante lá no alto.
  Vejo um edifício que reconheço, e percebo que estive a descer a rua de Santa Marta, aquilo é o edifício da Universidade Autónoma. Sei que já passei o marques, já estou quase a meio da Avenida da Liberdade. Neste momento podia ter havia mais uma ideia maluca, mas safei-me dela porque sei que preciso de energias para voltar para casa. Começo a subir a avenida, começa o caminho de volta, mas desta vez já não vou inventar, vou directo.
  Sei que quebrei a barreira. Aquela barreira entre o cansaço e o podia continuar a correr até ao infinito que nada mudava. Já estou a correr para o infinito. Estou a meio da Avenida Fontes Pereira de Melo, quando percebo isto e também percebo que a música já não está a dar há algum tempo. Passaram pelo menos vinte minutos. Meto a tocar outra vez.
  Correr parece fácil. Os meus tornozelos não acham o mesmo. Já passei o Saldanha, estou quase em casa. Como sempre fiz, começo a aumentar o ritmo no fim, há quem diga que é impossível, mas é a parte que eu mais gosto, ir ao fundo das forças e saber que ainda há uma réstia de energia para correr mais rápido. Estou a cem metros de casa, a música acaba outra vez, mais vinte minutos passaram.
  Estou dentro. Estou cansado, mas não estou esmagado pelo cansaço. Penso já no próximo objectivo. Água fria nas pernas, já sei o que a casa gasta, e preciso de me levantar de manhã sem dores. Acho que não as vou ter. Afinal corri com gosto.   

2 comentários:

Anónimo disse...

Ó David, gosto mesmo deste teu canto. Fui contigo. Ainda antes de dizeres o nome da rua, visualizei a Rua de Santa Marta.
Eu adoro o sprint final. Diz que faz mal, mas eu adoro terminar assim. Não sei se te acontece o mesmo, mas quando acabo assim rio-me alto e sozinha, às vezes a comer areia, mas isso é um pormenor que quem corre na praia aprende a desprezar.

David Pires disse...

Saber que alguém gostou é bom, já que foi dos post que mais gostei de escrever, se calhar por ser sobre uma coisa que adorei.
O sprint final é uma sensação... Eu acabo com um sorriso na cara e às vezes danço :) (sou um bocadinho maluco).
Não sei se correr na praia é bom, mas eu gosto muito também.