terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Cadeado

Existe uma sala. Existe um cadeado. A sala é fria e o cadeado de gelo. A sala costuma estar vazia, brilhante, apenas com o som constante das engrenagens que a fazem mover, que mantêm a luz, a temperatura e a quietude que a caracterizam. O cadeado está bem no meio, imponente, mas cristalino. É para ele que a sala existe, mas é ele que mantém a sala a funcionar.
Se existiu uma chave, hoje não se sabe onde poderá estar, se há uma maneira de o destruir, ninguém sabe. Apesar de estar ali, ao alcance de todos, sem barreiras, sem guardas e sem armadilhas o seu segredo mantém-se praticamente intacto. Apenas a sua indestrutibilidade e a sala o protegem.
Tal como um relógio que funciona a partir do quartzo, a sala funciona com memórias. Tal como um bom gira discos que precisa de uma agulha de diamante, a sala precisa dos segredos do cadeado para se manter tal como ela é. Tal como a terra, a sala tem de estar em constante movimento. Mas é esse movimento que pode destruir o que durante tanto tempo foi mantido inviolável.
Tudo o que se move acaba por mudar, tudo o que vive acaba por morrer, tudo o que se pensa que é para sempre, nunca o é. E numa ironia a sala percebe que tudo o que precisa para se manter intacta é o que vai definir o fim do bem que sempre tentou proteger. Percebe que a sua constante deslocação cria memórias novas, percebe que são as memórias que definem a temperatura, e tal como um coral, à mais pequena mudança de temperatura tudo é destruído.
Quando todos procuravam por uma chave, ou tentavam usar a força, a raiva ou a inteligência para abrir o cadeado, este dissolveu-se em água apenas com uma nova memória. Uma memória do presente. Uma memória que aqueceu a sala e deixou os segredos, que tantos outros tentaram aceder, disponíveis apenas a um olhar. 

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