sexta-feira, 18 de março de 2011

Festa

Tenham coragem e leiam tudo sim.    

     O corredor está escuro, mas vejo uma fresta de luz ao fundo, sei que ali é a porta. Avanço com passadas largas, mas ao aproximar paro abruptamente e faço a porta deslizar suavemente. Lá dentro está o meu pai deitado a ver um filme em surdina, este apenas desvia os olhos do écran num movimento rápido para confirmar que sou eu. Digo-lhe que afinal vou fazer uma festa de anos e por isso vou levar o carro para ir buscar pessoal. Ele pára o filme calmamente, olha-me e diz qualquer coisa sobre já serem nove da noite, mas eu já não o estou a ouvir, já avanço de volta pelo corredor em passo de corrida em direcção ao carro.
     Ao chegar ao carro ouço a porta de casa a fechar e vejo o meu pai a correr em direcção a mim, pelos seus gestos percebo que quer ir comigo. Não digo que não e abro-lhe a porta. Acelero em direcção a S. Brás de Alportel. 
     Já com duas pessoas no banco de trás do carro avanço para Loulé, enquanto discuto com o meu pai qual será o melhor sitio para comprar frango aquela hora, enquanto olho de soslaio para as horas e reparo que já são dez da noite. Falam-me da feira à saída da cidade, e seguimos o resto da viagem em silêncio. Nesta caminho a minha mente viaja também, pelas pessoas que ainda tenho que ir buscar, e os locais onde elas estão e percebo que me meti numa coisa impossível, não sei como me meti numa aventura destas, olho para o meu pai e interrogo-me do porquê de ele não me ter tentado demover de tal coisa. Abano a cabeça para apagar tais pensamentos e acelero por estradas estranhamente vazias.
     Ao chegar à feira percebo facilmente porque é que as ruas estavam desertas. A feira está ao rubro, uma feira um pouco diferente das outras porque está montada de forma circular, onde os corredores são circunferências com o diâmetro cada vez maior, e onde a zona de comidas é exactamente no meio, todas de costas voltadas umas para as outras. Eu e o meu pai avançamos pelo meio da multidão, deixando o carro, mal estacionado, para trás. As luzes e o barulho incomodam-me, tanta gente e tanta azafama deixa-me confuso e sem perceber exactamente porque estou ali afinal. Meu pai relembra-me, pega-me no braço e começa a puxar-me em direcção ao meio, a uma velocidade não permitida no meio daquela pessoas todas. Ouço queixumes das pessoas que são quase literalmente atropeladas, não me preocupo com isso, só quero sair o mais rapidamente dali. 
     Ao perceber o meu estado apático, meu pai trata da conversa com a senhora dos frangos. Eu não consigo perceber o que dizem, apesar de parecer que estão a gritar um para o outro. Vejo o olhar furioso do meu pai para a mulher dos frangos e saímos dali com tanto peso como chegamos, parece que a senhora estava a pedir dez euros e meio por pedaço de frango, explica-me o meu pai enquanto caminhamos. Vamos ter de encontrar uma churrasqueira aberta.
     Neste momento eu percebo que algo tem de ser feito, digo ao meu pai para pegar no carro e levar as pessoas para nossa casa, que eu vou a Quarteira comprar o frango e que aproveito e vou buscar o Cláudio. Arranjo outro carro, apesar de enquanto conduzo não me lembrar muito bem onde o arranjei, mas é um carro que não conheço. Meto musica, não me é familiar a musica que ponho, mas faz com que tenha vontade de acelerar, coisa que faço o que faz com que rapidamente me comece a aproximar de uns prédios que me parecem de bairro social, mas continua a não haver gente em lado nenhum.
     Assumo que o elevador está avariado e começo a subir as escadas a correr, é só até ao oitavo andar. Já no apartamento vejo que o meu primo, o Cláudio está com alguém, mas é uma pessoa que eu tinha quase a certeza que ele não conhecia, fico confuso e nem tento perceber mais nada desta noite, mas falo para os dois quando explico sobre a festa. Vão para o quarto preparar-se. Eu espero. Farto-me de esperar e entro pelo quarto a dentro, pelo cheiro já sei o que é que estão a fazer, mando apagar aquilo com um tom de voz irritado e digo que estou com pressa e não tenho tempo para me zangar por estupidez alheia. Saio do quarto, o meu primo vem atrás e diz-me para fugir-mos que ele já está farto da sua companhia. 
     Estamos a correr desalmadamente pelo prédio, naqueles corredores exteriores, quando ouvimos uma voz de suplica a chamar por nós, mas não paramos, aumentamos a passada. Toca a campainha. Toca outra vez. Fica tudo negro. 

Já deu para perceber o que isto era, sim?

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